Resistente e adaptável, a espécie está no centro da atual epidemia de zika, além de ser vetor de contágio
da dengue, das febres chikungunya e amarela e outras enfermidades mais raras.
No mundo, ele é chamado de mosquito da febre amarela. No
Brasil, é conhecido como mosquito da dengue – e, mais recentemente, também da
zika e da chikungunya.
Considerado uma das espécies de mosquito mais difundidas
no planeta pela Agência Europeia para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na
sigla em inglês), o Aedes aegypti – nome que significa "odioso do
Egito" – é combatido no país desde o início do século passado.
A partir de meados dos anos 1990, com a classificação da
dengue como doença endêmica, passou a estar anualmente em evidência. Isso
ocorre principalmente com a chegada do verão, quando a maior intensidade de
chuvas favorece sua reprodução.
Agora, um novo sinal de alerta vem da epidemia de zika,
uma doença com sintomas semelhantes aos da dengue, em curso desde o meio do
ano.
Foi confirmado pelo governo federal que o zika vírus
está ligado a uma má-formação no cérebro de bebês, a microcefalia, que já teve
neste ano ao menos 1.248 casos registrados em 311 municípios em 14 Estados, a
maioria deles no Nordeste.
O Aedes aegypti também esteve no centro de um surto de
febre chikungunya ocorrido no país no ano passado, quando este vírus chegou ao
Brasil e se espalhou com a ajuda do mosquito.
E, apesar de a febre amarela ter sido considerada
erradicada de áreas urbanas brasileiras em 1942, casos de contaminação foram
confirmados em cidades de Goiás e no Amapá em 2014.
"O Aedes aegypti está ligado ainda a males mais
raros, do grupo flavivírus", afirma Felipe Pizza, infectologista do
hospital Albert Einstein.
"Entre os agentes de contaminação, esse mosquito é
o que tem a capacidade de transmitir a maior variedade de doenças."
Eficiência
Alguns fatores contribuem para tornar o
Aedes aegypti um agente tão eficiente para a transmissão desses vírus. Entre
eles estão, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, sua capacidade de se
adaptar e sua proximidade do homem.
Surgido na África em locais silvestres, o mosquito
chegou às Américas em navios ainda na época da colonização. Ao longo dos anos,
encontrou no ambiente urbano um espaço ideal para sua proliferação.
"Ele se especializou em dividir o espaço com o
homem", afirma Fabiano Carvalho, entomologista e pesquisador da Fiocruz
Minas.
"O mosquito prefere água limpa para colocar seus
ovos, e qualquer objeto ou local serve de criadouro. Mesmo numa casca de
laranja ou numa tampinha de garrafa, se houver um mínimo de água parada, seus
ovos se desenvolvem."
Mas a falta de água limpa não impede que o Aedes aegypti
se reproduza. Estudos científicos já mostraram que, nesse caso, a fêmea pode
depositar seus ovos em água com maior presença de matéria orgânica.
Os ovos também podem permanecer inertes em locais secos
por até um ano, e, ao entrar em contato com a água, desenvolvem-se rapidamente
– num período de sete dias, em média.
"Outros vetores não têm essa capacidade de resistir
ao ambiente", afirma Pizza, do Albert Einstein. "Por isso ele está
presente quase no mundo todo, a não ser em lugares onde é muito frio."
Flexibilidade
Um aspecto que também favorece a
reprodução é o fato de a fêmea colocar em média cem ovos de cada vez, mas não
fazer isso em um único local. Em vez disso, ela os distribui por diferentes
pontos.
"Quando tentamos exterminá-lo, é muito grande a
chance de um destes locais passar despercebido", diz Carvalho.
Também se trata de um mosquito flexível em seus hábitos
de alimentação.
O Aedes aegypti é, geralmente, diurno: prefere sair em
busca de sangue pela manhã ou no fim da tarde, evitando os momentos mais
quentes do dia.
"Mas ele é oportunista. Se não tiver conseguido se
alimentar de dia, vai picar de noite. Isso não ocorre com o pernilongo, por
exemplo, que é noturno e só vai estar quando o sol começa a se pôr",
afirma a bióloga Denise Valle, pesquisadora do laboratório de biologia
molecular de flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Além disso, o mosquito costuma ter como alvos mamíferos,
especialmente humanos. Como explica o agência europeia, mesmo na presença de
outros animais ele "se alimenta preferencialmente do sangue das pessoas".
Simbiose
Por ser um mosquito urbano que fica em
contato constante com o homem, ser muito adaptável e ter um apetite especial
por sangue humano, o inseto se tornou um eficiente vetor para a transmissão de
doenças.
"Todo ser vivo busca uma forma de se proliferar, e
com os vírus não é diferente. Nestes casos, eles podem ser transmitidos por
outros vetores, mas que não são tão efetivos", afirma Erico Arruda,
presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. "Eles (vírus)
conseguiram no Aedes aegypti e na forma como este mosquito evoluiu uma relação
de simbiose muito boa."
Para ser capaz de infectar uma pessoa, o vírus precisa
estar presente na saliva do inseto.
Valle, do IOC/FioCruz, explica que, no caso da dengue,
por exemplo, após o Aedes aegypti picar alguém que esteja infectado, o vírus
leva cerca de dez dias para estar presente em sua saliva.
"São poucos os mosquitos que vivem mais de dez
dias. Mas, quanto menos energia ele precisa gastar para se alimentar e colocar
ovos, mais tempo ele vive", diz Valle.
"Assim, o aglomerado urbano, com muitos locais de
criadouro e muitos alvos para picar, faz com que o mosquito viva mais,
favorecendo o processo de infecção."
A bióloga destaca ainda que se trata de um mosquito
especialmente arisco: "Quando vai picar, se a pessoa se mexe, ele tenta
escapar e picar outra pessoa. Se estiver infectado com algum vírus, vai
transmiti-lo para várias pessoas".
Controle
Exterminá-lo também é difícil. Segundo o
Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos, o Aedes aegypti é
"muito resistente", o que faz com que "sua população volte ao
seu estado original rapidamente após intervenções naturais ou humanas".
No Brasil, ele chegou a ser erradicado duas vezes no
século passado. Na década de 1950, o epidemiologista brasileiro Oswaldo Cruz
comandou uma campanha intensa contra ele no combate à febre amarela. Em 1958, a
Organização Mundial da Saúde declarou o país livre do Aedes aegypti.
Mas, como o mesmo não havia ocorrido em países vizinhos,
o mosquito voltou a ser detectado no fim dos anos 1960. Foi erradicado
novamente em 1973 – e retornou mais uma vez três anos mais tarde. "Hoje
não falamos mais em erradicação. Sabemos que isso não é possível", diz
Valle, do IOC/Fiocruz.
"O país é muito grande e tem muitas entradas para o
mosquito. Também há muito mais gente vivendo em cidades, e a circulação de
pessoas pelo mundo com a globalização aumentou muito. Os recursos humanos e
financeiros para exterminá-lo seriam enormes."
Uma forma comum de combater o mosquito, a de dispersar
uma nuvem de inseticida – técnica popularmente conhecida como
"fumacê" –, não é muito eficiente, pois o componente químico tem de
entrar em um espiráculo localizado embaixo da asa. Portanto, o inseto precisa
estar voando, algo difícil tratando-se de uma espécie que fica na maior parte
do tempo em repouso.
"Na maior parte das vezes, isso é jogar dinheiro
fora e gera mosquitos mais resistentes. Hoje, levamos de 20 a 30 anos para
desenvolver um inseticida e, em dois anos, ele perde sua eficácia por causa do
uso abusivo", afirma Valle. "E os químicos usados no controle de
larvas não estão disponíveis para a população."
Carvalho, da Fiocruz Minas, ressalta ainda que 80% dos
criadouros são encontrados em residências, e que realizar a prevenção e exterminar
focos do Aedes aegypti não é fácil.
"Quando temos uma epidemia, é mais simples
conseguir o apoio da população, mas, fora deste período, é mais complexo
sensibilizar as pessoas para a questão", afirma o entomologista. "Por
tudo isso, acho muito complicado falar em erradicação. Talvez a melhor palavra
seja controle."
Uma abordagem nova vem sendo testada na Bahia e em São
Paulo. Machos transgênicos do Aedes aegypti são liberados na natureza e, no
cruzamento com fêmeas comuns, geram larvas que morrem antes de atingir a fase
adulta, o que, com o tempo, reduz a população do mosquito numa determinada
área.
Responsável por testes realizados desde maio em
Piracicaba, no interior paulista, a empresa Oxitec informou que os resultados
estão sendo analisados por sua equipe técnica e que ainda não há uma previsão
de quando serão divulgados.
Por: Rafael Barifouse - BBC Brasil em São Paulo
em 02/12/15
em 02/12/15
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