Gosto de tomates. Resolvi
plantar uns tomateiros lá em Pocinhas do Rio Verde (MG). Amadureceu o primeiro
tomate, todo vermelho, com exceção de um pontinho preto na casca. Nem liguei
para o ponto preto. Colhi o tomate e me preparei para comê-lo. Dei a primeira
dentada e cuspi. O que havia dentro dele era um verme branco, grande, enrugado,
gordo por haver comido toda a polpa do tomate.
Foi essa a imagem que me veio à
memória quando me preparava para falar sobre o mais terrível de todos os
demônios. Ninguém suspeita. Ele vai comendo por dentro as coisas boas que
crescem no nosso quintal. Eu sempre digo: demônios fazem ninhos no corpo. Cada
um tem sua preferência. Neste caso a que me refiro, o demônio faz seu ninho nos
olhos. E ele não gosta de coisas ruins e feias. Como o verme, ele prefere os
tomates. Gosta de coisas bonitas. E o resultado é que, quando uma coisa bonita que cresce no nosso
quintal (note bem: o demônio só faz sua obra no nosso quintal) é tocada pelo
olho onde mora o verme ela imediatamente murcha, apodrece, cai. E aí vêm as
moscas.
O demônio que se aloja nos
olhos se chama inveja. Inveja vem do latim invidere que, segundo o dicionário
Webster, quer dizer “olhar pelos cantos dos olhos”. Inveja não olha de frente.
Quem olha de frente tem prazer no que vê. Quem olha de lado olha com olho
mau.Olho mau, olho gordo: muita gente tem medo desse olhar. Não precisa. O
verme da inveja nunca faz nada com os tomates da horta alheia. Ele só come os
tomates da horta da gente.
Explico: Fernando Pessoa
diz que a inveja “dá movimento aos olhos”. Olho de inveja não olha numa direção
só. Lembre-se do que eu disse: que o olho onde se aninha o verme da inveja só
gosta de ver coisas bonitas. Então é assim que acontece.
Eu tenho um belo tomate
crescendo no meu quintal. É certo que não há vermes dentro dele. Vai dar uma
deliciosa salada. Mas antes, vou mostrar o meu tomate para meu vizinho… Um
pouco de exibicionismo faz bem para o ego. Mas aí eu olho para o quintal do
vizinho. Ele também cultiva tomates. Vejo o tomate que cresce no tomateiro
dele. Lindo! Vermelhíssimo, mais bonito que o meu. É nesta hora que o verme
entra no meu olho. Meus olhos se movimentam. Voltam-se para o meu tomate que
era minha alegria e orgulho. Já não é mais. Vejo-o agora mirrado, pequeno
murcho. E ele corresponde: apodrece repentinamente e cai… Perdi o prazer da
minha salada.
Esse movimento dos olhos é a
maldição da comparação. Quando eu comparo o meu
‘bom-bom-mesmo-mais-que-suficiente-para-me-fazer-feliz” com o “bom” maior do
outro, fico infeliz. E o que antes me dava felicidade passa a me dar infelicidade.
Com a comparação tem início a infelicidade humana. Isso acontece com tudo.
Comparo minha casa, meu carro, minhas roupas, meu corpo, minha inteligência e
até mesmo meu filho.
Frequentemente os filhos são
vítimas no jogo de inveja dos seus pais. Aquele meu filho, que é a minha
alegria, delícia de criança, com um jeitinho só dele e que me encanta… Mas o
filho do vizinho tira notas mais altas que o meu, é campeão de natação, é mais
forte, mais alto e não é gordinho… Então, meu olho se movimenta e o verme se
aninha. E se dá o mesmo com meu tomate: apodrece.
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