Era uma vez um jovem casal muito feliz.
Ela estava grávida e eles esperavam com grande ansiedade o filho que nasceria.
Transcorridos os nove meses de gravidez,
ela deu à luz um lindo computador! Que felicidade ter um computador como filho!
Era o filho que desejavam! Por isso eles haviam rezado muito, durante toda a
gravidez.. O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de Memorioso, porque
julgavam que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. Educação
é memorização. Crianças com memória perfeita vão bem na escola e não têm
problemas para passar no vestibular.
E foi isso mesmo que aconteceu.
Memorioso memorizava tudo o que os professores ensinavam. E não reclamava. Seus
companheiros reclamavam, diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não
faziam sentido. Não aprendiam. Tiravam notas ruins. Ficavam de recuperação, o
que não acontecia com Memorioso.
Ele memorizava com a mesma facilidade a
maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física,
acidentes geográficos, datas de eventos históricos, regras de gramática, livros
inteiros. A memória de Memorioso era perfeita.
Ele só tirava dez. E isso era motivo de
grande orgulho para os seus pais. Os outros casais, pais e mães dos colegas de
Memorioso, morriam de inveja. Quando seus filhos chegavam em casa trazendo
boletins com notas vermelhas, eles gritavam: “Por que você não é como o
Memorioso?”.
Memorioso foi o primeiro no vestibular.
O cursinho que ele frequentara publicou sua fotografia em outdoors. Apareceu na
televisão como exemplo a ser seguido por todos os jovens. Na universidade, foi
a mesma coisa. Só tirava dez. Chegou, finalmente, o dia tão esperado: a
formatura.
Memorioso foi o grande herói, elogiado
pelos professores. Ganhou medalhas e mesmo uma bolsa para doutoramento no
Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Depois da cerimônia acadêmica,
estavam todos felizes no jantar. Até que uma linda moça se aproximou de
Memorioso: “Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta”, disse a jovem. “Pode
fazer”, respondeu Memorioso, confiante.
Ele sabia todas as respostas. Aí ela
fez a pergunta: “De tudo o que você tem memorizado, o que mais te comove?”.
Memorioso ficou em silêncio. Aquela
pergunta nunca lhe havia sido feita. Os circuitos de sua memória funcionavam
com a velocidade da luz procurando a resposta. Mas ela não estava registrada em
sua memória. Onde poderia estar? Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua
temperatura subiu. E, de repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e
se ouviu um chiado estranho dentro de sua cabeça, enquanto a fumaça saía por
suas orelhas.
Memorioso primeiro travou. Deixou de
responder a estímulos. Depois apagou, entrou em coma. Levado às pressas para o
hospital de computadores, verificaram que o seu disco rígido estava
irreparavelmente danificado. Há perguntas para as quais a memória perfeita não
consegue responder. É preciso coração.
Rubem Alves
Fonte: https://disqus.com/home/forums/revistaeducaca
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